A hora e a vez da represa de Americana

Por Vicente Andreu

A bacia do PCJ é, sem dúvida, uma bacia com o uso intensivo de recursos hídricos e com restrições na oferta de água, motivada principalmente pela construção do sistema Cantareira, que transpõe vazões expressivas (até 33m³/s) para a região metropolitana de São Paulo. Paradoxalmente, o sistema Cantareira é, também, um reservatório hoje imprescindível para regularizar as vazões dos rios Atibaia e Jaguari. Após a crise de 2014/2015, a nova outorga do sistema, de maio de 2017, procurou aumentar a disponibilidade e a segurança hídrica desta bacia, com regras operacionais mais benéficas do que as anteriores.

No entanto, a crise de 2014/2015, reacendeu a preocupação da população do PCJ com o stress hídrico cotidiano, apoiando a recuperação  de projetos antigos. Em 2007/2008 – anteriores à nova outorga – foram apresentados os estudos das barragens de Pedreira e Amparo que se destinavam a aumentar a “disponibilidade hídrica” na bacia, valendo-se do senso comum de que qualquer “represa” aumenta também a segurança hídrica.

Diferentemente da disponibilidade, a segurança hídrica exige que a água esteja disponível para uso, o que, no caso da barragem de Pedreira exige a construção de um complexo e caro sistema adutor capaz de levar “a água pra cima”, para as cidades que enfrentaram situações de escassez. Deu-se a esse sistema adutor o nome de “sistema adutor regional PCJ”, que, como já foi fartamente demonstrado, é inviável economicamente, pois teria um custo de cerca de R$ 4,00 o m³ de água bruta produzido.

A inviabilidade do sistema adutor significa que a barragem de Pedreira é ainda mais inútil do que já seria, pois, minúscula diante dos reservatórios do Cantareira, situada em rio já regularizado por estes reservatórios ( teria água quando não precisa, e, segundo dados do próprio estudo do sistema adutor, estaria seca em situações de escassez como 2015/2015),  produz um enorme impacto ambiental na região onde está sendo erguida e, principalmente, é uma barragem criminosa, ao desconsiderar os riscos a que submete permanentemente a população da cidade de Pedreira.

Tanto o Consórcio PCJ como o Comite de Bacias PCJ, que seriam espaços para a gestão participativa da água, transformaram-se em batedores de palmas e defensores dessas obras inúteis, impactantes ambientalmente, caríssimas e de altíssimo risco social. Hoje, estes organismos seguem as orientações de quem consome água abundantemente. Uma pena.

Como a barragem de Pedreira exige a construção de uma adutora inviável  de mais de 20 km de extensão que deve vencer um desnível de 196 m entre o rio Jaguari e o ponto de captação em Campinas,  o atual governo desta cidade apresentou a ideia de construção de uma barragem no rio Atibaia, em Sousas, valendo-se ainda desse senso comum de que barragem é segurança hídrica, barragem inicialmente chamada de “Nosso Cantareira” e agora de “sistema produtor Atibaia”. Provocando grandes impactos na APA de Campinas, sem qualquer projeto definido, essa barragem é, além de vários outros motivos já elencados em breve artigo inicial, inútil para a segurança hídrica da cidade porque desconsidera as novas regras do sistema Cantareira. O “Cantareira deles” foi concebido antes das regras da nova outorga, onde ficou estabelecida, no ponto onde a Sanasa faz a captação de cerca de 4 m³/s, a garantia de uma vazão mínima de  10 m³/s em 100% do tempo ( inclusive para crises hídricas semelhantes à de 2014/15). Assim como a de Pedreira, a barragem de Sousas parece destinar-se a abrir a fronteira da APA à especulação imobiliária e, portanto, enfrentada.

Inevitavelmente, ao apontar-se os impactos e a inutilidade dessas barragens, indaga-se: “então quais as alternativas?” Há várias factíveis, necessárias e sustentáveis sejam de gestão ( aprimoramento das regras do Cantareira), sejam focadas na sustentabilidade ( produção de água, recuperação de nascentes, reuso, redução de perdas, redução da poluição, redução de consumo, etc) sejam até de obras de infraestrutura ( como uma adutora para a região partindo diretamente do sistema Cantareira, que podemos expor em outra oportunidade).

Há, no entanto, uma condição pouco explorada, que é a conversão da barragem de Americana/Salto Grande em reservatório de uso múltiplo, retirando – ou colocando em segundo plano – sua natureza original de produtora de energia elétrica. Quando se fala “a região precisa de novos mananciais”, a resposta é “a região tem mananciais; precisam ser mais bem gerenciados, visando a segurança hídrica de todos”. No caso do Cantareira, cujos reservatórios têm a capacidade de acumular quase 1,5 bilhões de m³, há espaço para uma gestão mais flexível e segura com a redução pela Sabesp do atendimento de cerca de 1,1 milhão de pessoas, população praticamente idêntica ao município de Campinas. Esta redução de pessoas atendidas ocorreu posteriormente à nova outorga de maio de 2017.

Um segundo manancial, hoje totalmente perdido para a disponibilidade e para a segurança hídrica, é a Represa de Americana (vamos chamá-la assim, muito embora seja também conhecida como Pequena Central Hidrelétrica (PCH) de Americana, barragem de Salto Grande). Ele já está implantado. Seu volume é de cerca de 107 milhões de m³, um volume maior do que as barragens de Sousas (cerca de 17 milhões de m³), Pedreira (cerca de 38 milhões de m³) e Amparo (cerca de 40 milhões de m³) somadas!  Incrivelmente, por engano ou outro motivo, essa barragem aparece no plano de bacias do Comite PCJ com um volume de 110.000 m³, ou seja, cerca de 1.000 vezes menor! Estranho…

A PCH Americana foi construída em 1949, tem um espelho d’água variando entre 8 e 11 km², sua concessão atual está em nome de Jaydatya Empreendimentos e Participações Ltda, uma empresa da CPFL Energia, cujo contrato vai até abril de 2027. Há condições econômicas de sua conversão, penso que até com facilidade. Suas águas estão muito poluídas e exigirão um programa consistente de despoluição, que com certeza consumirá muito menos do que os 350 milhões de reais estimados apenas para a construção da barragem de Sousas. As vantagens são inúmeras, seja por impactos ambientais evitados, por sua localização para atendimento de demandas por água, e pelas inúmeras vantagens que trará ao ser efetivamente recuperada, como atividade econômica, de lazer e até mesmo de (re)valorização imobiliária. Hoje, nenhum destes motivos afeta a produção de energia elétrica, levando o empreendedor responsável por ela a limitar-se a ações periódicas de remoção de macrófitas; só.  Não precisamos de mais devastação, de novos riscos, de barragens inúteis e criminosas. A PCH de Americana deve ser um manancial para oferta de água com qualidade!