Querem entender mais? Como um condomínio urbano foi aprovada na Zona Rural? Como que a Zona de Conservação Hídrica da APA foi violada?

Leiam a manifestação das ONGs ambientalistas,  de maio de 2020,   protocolada no Inquérito Civil n. 18/2020, instaurado pelo PROMOTOR DE JUSTIÇA DA 9ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA (HABITAÇÃO E URBANISMO) DE CAMPINAS/SP que investiga  Irregularidades em Sousas/Campinas

Conforme a peça do pedido de parcelamento e loteamento de gleba, inseridas na Área de Proteção Ambiental de Campinas (APA de Campinas), não tem a mesma configuração do que foi aprovado pelo Decreto Municipal n.  20.531/2019.

O pedido de cadastramento e aprovação do loteamento passou por uma série de protocolos distintos e com alterações e pedidos de aprovação diferentes que, ao final, resultaram no projeto atual com cadastramento da Gleba 04 e aprovação do seu parcelamento. Cada uma dessas alterações, entretanto, não passou por nova análise dos órgãos responsáveis, como o CONGEAPA. Vale ressaltar que são tantos protocolos que correm paralelamente, que é preciso muito esforço para se entender exatamente sua correta sequência e organização. Há, inclusive, muitas páginas retiradas de alguns volumes, indicando que teriam sido retiradas por estarem em duplicidade.

Tudo isso dificulta o acesso à informação de qualquer interessado e, por consequência, a efetivação do seu direito à participação na gestão democrática das cidades, especialmente diante de um empreendimento tão impactante. Essa situação se repete em outras oportunidades ao longo do processo. Por esta razão, estas Representantes apresentam em mídia anexa todos os documentos que obtiveram junto à Prefeitura de Campinas e CETESB a respeito do caso, para possam ser avaliados por esta D. Promotoria.

Pois bem, o cadastramento da gleba com a emissão das diretrizes urbanísticas (DU 868) ocorreu em 28/06/2016, conforme fls. 1006-1011 (Prefeitura>PRINCIPAL-PROT2008-11-12766>Volume6.Arquivo:BRN3C2AF462159C_20160101_011940_044896). No entanto, referido cadastramento ocorreu de maneira irregular, pois, dentre outros problemas, partiu da incorporação de área rural para zona urbana com base em dispositivo de lei aplicado erroneamente (artigo 2º, da Lei 8.161/94) e, ao longo de seu processo foi emitida e utilizada Certidão declara absolutamente nula.

Como amplamente explanado na Representação, a aplicação do artigo 2º, da Lei 8.161/94 não se aplica a loteamentos na APA. Na prática, verifica-se que o procedimento administrativo e cadastramento, que permitiram a inclusão de 30% de área rural em zona urbana, culminaram com verdadeira alteração do perímetro urbano sem lei específica para tanto. A regra trazida pelo artigo 2º da Lei 8.161/1994 tratou-se de regra de transição para imóveis que diante daquela lei tivessem sido enquadrados como zona urbana e zona rural “ao mesmo tempo Isso porque, além de outros pontos, essa regra [artigo 2º] foi criada em um momento em que o Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001) ou a Lei da APA (Lei 10.850/2001) nem mesmo existiam. Portanto, ao longo do processo de cadastramento e aprovação do empreendimento, muitas outras legislações específicas e especiais deveriam ter fundamentado a análise, com NECESSÁRIA NEGATIVA quanto à possibilidade de incorporação dos 30% de área rural.

Contudo, por simples ato administrativo (e não lei específica) permitiu-se que área rural fosse incorporada em zona urbana inclusive, para permitir sua [área rural] ocupação  com lotes urbanos, quando claramente seu uso deveria se dar nos moldes rurais, atendendo as exigências de limitação da Lei 10.850/01, especialmente artigo 53.

Importante mencionar novamente, que após a edição da Lei 8.161/94 o próprio administrado escolheu desmembrar a gleba maior em glebas menores (B1A, B1B e A2A), que ficaram totalmente em área rural. Tal fato é demonstrado pelo documento emitido pelo Cartório de Registro de Imóveis em Sousas já juntado na Representação.

Provavelmente, diante do interesse imobiliário, depois das áreas já estarem desmembradas, solicitou-se a reunificação das glebas, requerendo a incorporação da área rural na urbana. Contudo, o desmembramento da gleba posterior à Lei 8.161/1994, pelo interessado, por si só já impossibilitaria a utilização da regra do artigo 2º. Além disso, o artigo 2º da Lei 8.161/94 não é um direito garantido aos proprietários, ou mesmo, um dever da municipalidade. Ao contrário, diante da análise do caso, a municipalidade deveria apontar para a impossibilidade de aplicação desse artigo 2º, pois existem legislações específicas posteriores que deveriam ter balizado a análise do caso. A aplicação do artigo 2º da Lei 8.161/94 contraria frontalmente o Estatuto da Cidade (artigo 42-A) e Lei da APA (artigo 53).

Na peça de Representação foram apresentados diversos pareceres e posicionamentos contrários a incorporação dos 30% exarados ao longo do procedimento da Prefeitura. Apesar disso, o processo de cadastramento e aprovação da Prefeitura de Campinas e o processo de licenciamento ambiental pela CETESB, tramitaram sob o entendimento de que o loteamento estava em zona urbana. Isso pode ser verificado no documento de fls. 1307/1308 (PROC.CETESB>Volume7>Arquivo:BRN3C2AF462159C_20160101_033643_051752, dentre outros ao longo do processo da CETESB e Prefeitura.

O parecer técnico da CETESB que embasa à emissão do Certificado GRAPROHAB balizou-se no fato da área estar em zona urbana, conforme Fls. 1486. (PROC CETESB> Volume 8> BRN3C2AF462159C_20160101_040132_052100). A Certidão 02/2012, emitida pela Secretaria de Urbanismo da Prefeitura, que foi parte da documentação da análise pela CETESB e GRAPROHAB (como demonstrado na imagem acima), afirmou que a área estaria localizada em zona urbana. A Certidão 02/2012 (parte colacionada abaixo) pode ser encontrada nas fls.431, em Prefeitura>PROT2004-11-1259>Volume 2> Arquivo:  BRN3C2AF462159C_20160101_012018_043101. Como já informado na Representação, a Certidão 02/2012 foi emitida em absoluto desacordo com os procedimentos necessários para um parcelamento de solo inclusive, afirmando que a área estaria em zona urbana, quando esse fato não era uma realidade. A manifestação da Coordenadoria de Parcelamento do solo, já juntada à peça de Representação acatou o parecer da Secretaria de Assuntos Jurídicos e declarou a Certidão NULA.

De acordo com o parecer (anexo) da Secretaria de Assuntos Jurídicos tratava-se de NULIDADE ABSOLUTA, portanto, não haveria possibilidade de convalidar qualquer procedimento adotado que tenha se utilizado de referida Certidão. Ou seja, tratando-se de nulidade absoluta, essa Certidão maculou todos os atos posteriores a ela que de algum modo lhe guardavam relação. Ainda, manifestação constante de fls. 1043 (em Prefeitura> PRINCIPAL – PROT  2008-11-12766> Volume 6> Arquivo: BRN3C2AF462159C_20160101_012437_044962), indica que a análise deveria ser paralisada, uma vez que a certidão [Certidão 02/2012] que deu base para a aprovação é nula. Questiona-se inclusive, a regularidade do cadastramento da gleba. Após estas ocorrências, o interessado solicitou a revalidação da Certidão do GRAPROHAB, que estaria para perder sua validade. Diante da declaração de nulidade da Certidão 02/12, antes de emitir seu parecer para revalidação da Certidão, a Agência Ambiental de Campinas da CETESB solicitou posicionamento do departamento jurídico do órgão quando à possibilidade de se posicionar favorável, como encaminhamento abaixo (fls. 1543, em PROC CETESB> Volume 8> Arquivo: BRN3C2AF462159C_20160101_040631_052196).Em continuidade, o departamento jurídico da CETESB posicionou-se contrário à continuidade do processo, indicando que a Agência não deveria se manifestar favorável à revalidação da Certidão do GRAPROHAB, conforme abaixo (fls. 1607-1610 do Proc. CETESB. Volume 8. Arquivo: BRN3C2AF462159C_20160101_041117_052360). Após este parecer do jurídico da CETESB, contudo, não foi possível verificar quais foram os próximos encaminhamentos. Isso porque, conforme mostram as mensagens trocadas com a CETESB, o volume 9 do processo administrativo, que justamente seria a continuidade, foi extraviado.

Portanto, os apontamentos acima são suficientes para demonstrar que a Certidão foi documento essencial para o processo. O próprio interessado afirma que a Certidão 02/2012 foi necessária para a análise do GROPROHAB. Ou seja, ele tinha total conhecimento da discussão acerca da Certidão e inclusive, do que ela poderia representar. Sabia que a área não estava em zona urbana, conforme demonstra o documento de fls. 1544, em PROC CETESB> volume 8> Arquivo: BRN3C2AF462159C_20160101_040804_052236.Referida Certidão maculou todo o processo, pois não se deu uma reanálise completa de tudo que havia ocorrido antes da declaração de sua nulidade, procedimento necessário diante de nulidade absoluta.

Além disso, os documentos também mostram que o CONGEAPA, após analisar os posicionamentos contrários à incorporação dos 30% manifestou-se contrário ao empreendimento, conforme demonstra recorte da ata de reunião do Conselho abaixo, em fls. 435, de Prefeitura>PROT 2004-11-1259> Volume 2> Arquivo: BRN3C2AF462159C_20160101_012100_043129.

Já mencionado, a planta do EIA/RIMA é diferente da planta aprovada pela Prefeitura. Observe que na imagem “IMAG0881” do EIA (Volume IV do arquivo que contém o EIA Como) as glebas em área rural (Z.Hidri) estavam destinados a área institucional e não a área de lotes, como posteriormente se apresentou à municipalidade para aprovação. Esse EIA foi apresentado parecer inicial do CONGEAPA. Uma vez que o EIA é justamente o documento que aponta os possíveis impactos ambientais, a ocupação por lotes de uma área tão sensível da APA não poderia ter deixado de ser apresentada nesse estudo. Como já mencionado na peça de Representação, o artigo 4º, da Lei 10.850/01 deixa claro que as áreas pertencentes à Z.Hidri (artigo 4º, da Lei 10.850/01) têm característica para a conservação hídrica . A conservação hídrica, importante para toda a região, é colocada em risco com a permissão de inclusão de lotes nessa área.

Aliás, a administração já sabia qual era a situação sensível da área, pois nas diretrizes urbanísticas para cadastramento da gleba, em 2016, (fls. 1008, Prefeitura> Volume6 BRN3C2AF462159C_20160101_011940_044896), indica-se que o licenciamento ambiental deveria ser precedido de EIA/RIMA, diante da certeza de geração de impactos. Contudo, o EIA desse empreendimento foi elaborado em 2010, conforme demonstra o arquivo digital anexado a este. Os impactos serão reavaliados em novo EIA?

Por isso, o CONGEAPA, ao analisar novamente o processo verificando as divergências no EIA e os posicionamentos quanto à impossibilidade de incorporação dos 30% de área rural tomou a atitude adequada de manifestar desfavoravelmente, isso porque ainda que já tivesse ocorrido o cadastramento no momento de sua manifestação (o que não foi o caso), a verdade é que o cadastramento anterior não garante o direito de aprovação do loteamento.

Nesse mesmo sentido, ainda que se tratasse de cadastramento regular, o que se admite apenas por amor ao debate, a verdade é que continua havendo irregularidade na aprovação do loteamento, pois diante das características ambientais da área rural (ilegalmente incorporada à zona urbana), essa não poderia ter uso para fins urbanos.

O uso de referida área apenas poderia ter se dado conforme o artigo 53 da Lei 10.850/01, que é claro ao indicar que a área rural NÃO PODE TER USO URBANO e os lotes mínimos são de 20.000m².

Portanto, mais uma vez verifica-se a ilegalidade na aprovação do loteamento. Esse ponto, inclusive, foi levantado em manifestação do CONDEMA (fls. 1300> PROC.CETESB>Volume 6> Arquivo: BRN3C2AF462159C_20160101_033532_051716). Mais uma vez, a incorporação dos 30% por meio do artigo 2º da Lei 8.161/94 é ilegal para o caso, pois fere leis especiais a respeito do assunto (Estatuto da Cidade, Lei da APA e Constituição do Estado de São Paulo), assim, o cadastramento não poderia ter ocorrido desta forma. Além disso, o artigo 2º da Lei 8.161/94 foi expressamente revogado pela Lei Complementar 189, de 08 de janeiro de 2018 (Plano Diretor de Campinas), que não contemplou a ampliação do perímetro na área desse loteamento. Ou seja, a área rural que foi incorporada à zona urbana por simples ato administrativo ao longo do processo, ainda é mantida na nova lei em zona rural, conforme se verifica da imagem abaixo extraída do site da própria Prefeitura para levantamento de zoneamento (https://zoneamento.campinas.sp.gov.br/#), utilizando o código cartográfico do loteamento: 4313.22.69.0001.00000:

Mais uma razão para que ao menos a aprovação do loteamento não ocorresse na forma como seu deu, pois os lotes em área rural definitivamente não poderiam ter uso urbano. Diante da superveniência da lei posterior, a aprovação do loteamento deveria sim tê-la considerado, pois o cadastramento da gleba não garante que o empreendimento deveria ser aprovado, especialmente considerando área ambiental tão importante e sensível.